Feliz 2022! Que seja um novo ciclo de muitas realizações, de muita fé, saúde e esperança de um futuro melhor.
No último post, escrevi sobre a A ascensão e queda do modelo Spotify e chegamos a uma questão fundamental, principalmente para quem está numa jornada de transformação ágil: como equipar e empoderar os times ágeis (“fusion teams”, tal como chamamos no Gartner) para tomar decisões que envolvem risco e valor?
Para responder a essa pergunta, precisamos trazer um conceito muito presente no dia-a-dia das organizações. Precisamos falar sobre governança.
Mas afinal, o que é governança?
Governança é um assunto recorrente nas minhas interações com clientes, e vejo, com alguma frequência, diferentes entendimentos. O Gartner define “governança” como o processo de:
- Definir direitos de decisão, papéis e responsabilidade, bem como estabelecer políticas alinhadas aos objetivos de negócios (preservação e crescimento do valor para os diferentes “stakeholders”).
- Equilibrar os investimentos de acordo com as políticas e suportando os objetivos do negócio (realização coerente da estratégia).
- Estabelecer medidas para monitorar a aderência às decisões e políticas (“compliance”).
- Garantir que os processos, comportamentos e procedimentos estejam de acordo com as políticas e dentro de limites de tolerância para apoio a decisão (gestão de risco).
Quando definimos governança como processo, estamos enfatizando seu caráter dinâmico, incremental, evolutivo. Um outro aspecto importante também é entender que a governança precisa se adaptar a diferentes contextos nas organizações, já que existem situações onde é preciso ter mais controle, e situações que exigem mais experimentação, onde as apostas são mais altas. Governança monolítica, construída em cima de mecanismos centralizados, não dá conta mais dos desafios das organizações que precisam de resposta rápida, que desejam crescer ou transformar o seu negócio.
Governança que se adapta
Sim, é essa a ideia por trás do conceito de “governança adaptativa”, ilustrada na figura abaixo.
No framework de Governança Adapativa, o Gartner propõe um modelo estratificado, definido a partir de 4 estilos de governança:
- Baseado em controle – “Control”: este é um estilo de governança de comando e controle que define os “guardrails”da empresa. Os direitos de decisão refletem as regras, políticas, padrões, diretivas e requisitos de conformidade da empresa, geralmente informados por requerimentos regulatórios. Ele continua sendo a base da governança corporativa.
- Baseado em resultados – “Outcomes”: este estilo de governança equilibra riscos e benefícios e ajuda os líderes a tomar decisões de investimento em relação aos recursos, desempenho e valor do produto, medidos em relação aos objetivos, metas e estratégias do produto e da empresa. Como tal, esse estilo tem um efeito contínuo por toda a empresa, equilibrando o controle e os resultados.
- Baseado na agilidade – “Agility”: este estilo de governança capacita papéis e equipes em uma organização orientada a produtos (times ágeis atuando em larga escala, falaremos sobre isso em outro post) para acelerar as decisões que criam valor. O estilo de governança baseado na agilidade depende mais das competências, princípios, atitudes e maneiras de trabalhar das pessoas do que autoridade e regras, mas garantindo a conformidade com a os “guardrails” corporativos.
- Baseado em autonomia – “Autonomous”: esse estilo de governança cria valor e diferencia riscos ao equilibrar os estilos de governança “baseado em controle” e o “baseado em resultados”. Isso é cada vez mais importante em organizações que buscam automação radical, transformação acelerada e inovação contínua, característico dos modelos de negócio digitais. Embora algumas empresas estejam incorporando governança baseada em autonomia, o Gartner considera isso uma meta futura para a maioria.
Para implementar um modelo de Governança Adaptativa, é necessário avaliar a cadeia de valor na sua organização e as atividades de suporte, identificando o “caminho crítico” da criação de valor, e os diferentes níveis de risco. Lembrem-se que valor é criado nas organizações a partir de três pilares: aumento de receita, otimização de custo, ou mitigação de risco. Em todos eles, valor presente ou futuro.
Mecanismos de governança
Num modelo de Governança Adaptativa, existem diferentes mecanismos de governança para cada estilo de governança. A figura abaixo mostra alguns exemplos de mecanismos aplicados a regras (“guardrails” delimitam as decisões), papéis (papéis que assumem protagonismo), estrutura organizacional (as mudanças na organização) e processos (como o trabalho é feito). Notem a importância da cultura na implantação da Governança Adapativa: princípios, valores e mudança de comportamentos.
Governança Adaptativa em ação
Costumo dizer para nossos clientes que governança pode ser resumida na eterna dicotomia entre autonomia e controle. A governança, como vimos, precisa ser adaptativa, flexível. Por outro lado, precisamos assegurar compliance com as políticas, gerenciar riscos e criar valor. Por essa razão, as organizações precisam ver a Governança Adaptativa como um pêndulo que oscila entre autonomia e controle. Mais para o lado da autonomia, quando a pressão competitiva aumenta e a velocidade – o “time to value” – passa a ser uma questão de sobrevivência. Mais para o lado do controle, quando existem sinais claros de que riscos importantes precisam ser mitigados – riscos de natureza regulatória, legal, operacional ou financeira.
Ok, entendi, mas como esse pêndulo vai funcionar na prática?
Pergunta legítima! É aqui onde a Governança Adapativa se conecta com a gestão. Alguns mecanismos de governança serão permanentes. Alguns exemplos: comitês de investimento, com os principais executivos da organização, para decisões que envolvem valores muito altos; reuniões trimestrais para (re)priorização de roadmaps de produtos. São mecanismos que asseguram a disciplina financeira e a execução da estratégia.
Outros meanismos de governança, no entanto, serão temporários. Ativados ou desativados de acordo com o contexto. É onde entra a gestão de performance dos times ágeis. Quando os indicadores sinalizarem uma tendência preocupante, mecanimos de controle podem ser ativados apenas nos times que apresentarem esse desvio. Da mesma forma, na medida em que os indicadores sinalizam o atingimento de metas, algus mecanismos de controle temporários podem ser desativados, dando mais autonomia aos times ágeis.
A figura abaixo apresenta os pilares de um dashboard de gestão de times ágeis.
Indicadores de qualidade que se aproximam perigosamente de uma “zona vermelha” podem ativar controles num time ágil, como por exemplo, auditorias de código, check de especialistas em segurança, intervenção de um arquiteto de solução, participação de um arquiteto senior na fase de roadmaping dos produtos para antecipar questões técnicas ou de integração.
Por outro lado, indicadores de maturidade (ex.: adoção de melhores práticas, reuso), qualidade (ex.: zero defeitos), velocidade (ex.: cadência consistente, produtividade crescente) e valor (benefícios entregues ao cliente) que alcançam ou superam metas pré-definidas podem desativar controles para o time, que passam a ter mais autonomia de decisões.
Governança Adaptativa e Gestão de Performance sempre caminham de mãos dadas. Em tempos de transformação ágil acelerada, de modelos de negócio cada vez mais digitais, é fundamental implementar instrumentos de gestão harmonizados entre todos os times que permitam gerenciar o binômio “autonomia/controle”, assegurando o compliance com as políticas corporativas e padrões tecnológicos, e alinhamento estratégico.
Esse arranjo define os limites de responsabilidade e ação dos times de produto (times ágeis que entregam soluções para clientes externos ou internos), times de plataforma (times que entregam capacidades de negócio ou tecnológicas que são compartilhadas por toda a empresa), e times transversais que definem padrões, socializam práticas e conhecimento, e eventualmente se envolvem na execução/entrega (caso dos times de arquitetura, segurança da informação, Data & Analytics, Hub de Agilidade, para citar alguns exemplos). Tem, portanto, papel fundamental na intervenção desses times transversais nos times de produto e na orquestração de iniciativas corporativas, uma questão que tenho discutido muito com clientes. Temas como débito técnico acumulado, atualização tecnológica, migração de plataformas, e modernização de aplicações “core”/legadas, e até mesmo implantação/upgrade de soluções comerciais são iniciativas estruturantes que podem gerar demandas para os times de produto. Esses, por sua vez, estão focados na entrega de seus resultados e acabam por não priorizar essas demandas “externas” nos seus backlogs. Está instaurado mais um conflito… rs.
Não se gerencia o que não se pode medir.
– Peter Drucker
E você? O que me diz? 🙂
The Gartner Blog Network provides an opportunity for Gartner analysts to test ideas and move research forward. Because the content posted by Gartner analysts on this site does not undergo our standard editorial review, all comments or opinions expressed hereunder are those of the individual contributors and do not represent the views of Gartner, Inc. or its management.
Comments are closed