Se você trabalha com TI, você certamente já ouviu falar em Squads, Tribes, Chapters e Guilds. Se você não trabalha, deve conhecer também. Afinal, o modelo Spotify ganhou o mundo, virou moda, e várias empresas que partiram para a transformação Agile começaram a adotar esse modelo.
Um pouco de história
O modelo Spotify foi apresentado ao mundo pela primeira vez em 2012, quando Henrik Kniberg e Anders Ivarsson publicaram o white paper “Scaling Agile @ Spotify” que apresentou a maneira radicalmente simples como o Spotify abordava a agilidade.
Confira esta citação do Spotify coach, Joakim Sunden:
Mesmo na época em que escrevemos, não estávamos fazendo isso. Era em parte ambição, em parte aproximação. As pessoas realmente lutaram para copiar algo que realmente não existia.
Joakim Sundén, Agile Coach no Spotify, 2011–2017
Pois bem, todo modelo deve ser visto como uma tentativa de se aproximar da realidade. Portanto, sempre será incompleto, imperfeito, e precisa ser evoluído a partir da experiência prática.
Onde o modelo original falhou?
Kniberg, que costuma ser creditado como sendo o “inventor” do modelo, também se pronunciou sobre a polêmica dizendo que nunca teve a intenção de publicar um “framework”, mas sim uma visão geral de como o desenvolvimento de produtos era organizado no Spotify. A hierarquia das equipes, como as equipes são organizadas e o tipo de cultura empresarial necessária para fazer tudo funcionar.
Como uma empresa ágil, o modelo Spotify defende as necessidades de colaboração, transparência e simplicidade, o que o torna muito atraente para outras empresas “ágeis” (quem nunca?), que procuraram fazer a metodologia funcionar para elas.
O principal benefício do modelo Spotify é que as equipes têm autonomia para tomar suas próprias decisões e trabalhar da maneira que melhor lhes convier.
Só que não… rs.
Ao longo do tempo, a própria Spotify reconheceu que alguma forma de hierarquia e orquestração formal, o famigerado “comando-e-controle” que desperta tanta fúria no mundo corporativo, tornou-se necessária.
Times Ágeis de alta performance são estruturados em torno de três pilares: liderança, expertise de negócio e expertise técnica. Logicamente, existem diferentes sabores na composição dos times, diferentes combinações de expertise de negócio e técnica, mas a liderança SEMPRE está presente. Na figura do PO (Product Owner), do PM (Product Manager), e do Platform Manager (em contextos mais complexos e com mais maturidade). Diante dos problemas de coordenação e instabilidades frequentes, o Spotify decidiu ampliar essa estrutura de liderança criando hierarquias técnicas também.
Existe um ótimo post que discute em mais detalhes o que deu errado no Spotify: “Failed #SquadGoals. Spotify doesn’t use ‘the Spotify model’ and neither should you”, de Jeremiah Lee. Super recomendo a leitura desse post!
Então o que fazer agora?
Vamos a algumas constatações.
“Autonomia para tomar suas próprias decisões” e “trabalhar da maneira que melhor lhes convier” podem funcionar numa organização pequena, uma start-up por exemplo. Mas quando a organização começa a crescer, quando a start-up começa a escalar, ou em empresas tradicionais, de médio ou grande porte, a história é outra. A verdade é que não conseguimos escapar de alguma forma burocrática de organização, como já dizia Max Weber (1864-1920) faz mais de um século.
Governança não é sinônimo de retrocesso, de engessamento, de excesso de controle. Processos SEMPRE serão necessários em qualquer organização.
Cuidado para não romantizar a tranformação agile e idealizar um futuro de organizações horizontais e times autogerenciáveis. Controles e intervenções são necessários para manter minimamente padrões tecnológicos e metodológicos, assegurar que os custos estão sob controle, e que os resultados são sustentáveis, e não um espasmo apenas. É aqui que entra o conceito de governança adaptativa e a relação desses mecanismos estratificados de governança com o dashboard de gestão de performance de times ágeis. Mas isso é tema para um próximo post.
E você? O que acha disso tudo? Concorda? Discorda?
Comentários são super bem-vindos!
Forte abraço,
Mangi.
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24 Comments
Mangi, formidável. Vários insights na leitura de seu artigo neste blog:
1) É ilusão acreditar que não teremos uma cadeia de gestão, em qualquer que seja o modelo ou framework. D o contrario, deixamos de cair em um precipicio, para cair em outro.
2) Transformações estão diretamente ligadas à adequações de processos. Concordo com o “SEMPRE vão existir”.
3) Que formidável ler este post em portugues! 🙂
Obrigado pelo feedback, Hamilton!
Mangi, ótima reflexão.
No dia a dia nos deparamos com várias situações que vc relata acima.
Impossível romantizar o uso de squads em empresa que já tenham certa organização e governanca. Porém nem por isso, como vc mesmo diz, estão sendo retrógradas. Talvez a chave do sucesso seja o tão buscado equilíbrio.
Parabéns pelo texto!
Obrigado, Arnaldo! Vejo com muita frequência nas minhas interações com clientes do Gartner um conflito entre os times ágeis (os times digitais, principalmente) e, digamos, as áreas “mais tradicionais” de TI. De um lado, a busca incessante por velocidade e valor. Do outro, a necessidade de garantir disponibilidade e segurança. Sim, governança é exatamente sobre esse equilíbrio dinâmico, esse pêndulo eterno entre autonomia e controle. Vou falar mais sobre isso no meu próximo post. Stay tuned! 🙂
Existe um livro inteiro que critica esse tipo de modelo… Repensando Agilidade – Leopold, Klaus.
Muito bom, Carlos! Não conheço a referência. Você gostaria de compartilhar conosco aqui um sumário/resenha sobre o livro? Você seria meu convidado num post do blog. Que tal? 🙂
Bem colocado, Mangi.
Acredito que times auto gerenciáveis demandam alto grau de comprometimento e maturidade.
O alto escalão quer (precisa!) ver dashboards e KPIs, e times que se distanciam muito de um “fio da meada” acabam também se afastando do modo que a organização deseja consolidar resultados.
Cada empresa a seu modo, acredito em pontos-chave de controle (que podem ser um checklist) e etapas obrigatórias dos processos. A partir daí a equipe pode enriquecer sua dinâmica.
Exatamente, Eduardo! Os dashboards de gestão de performance de times ágeis são construídos com base em 4 “drivers”: velocidade, valor, qualidade e maturidade. E no drive “valor” estão representados os objetivos e metas de resultado da organização.
Vou tomar a liberdade de acrescentar um tempero nessa discussão. Existe uma dimensão muito importante na gestão de times de desenvolvimento, seja qual for a metodologia, que exige um mínimo de controle. Ela se chama BUDGET.
Mesmo em uma startup o orçamento disponível e a necessidade de controla-lo é inversamente proporcional à liberdade, autonomia e auto-gestão das equipes técnicas.
É muito difícil encontrar um cenário de desenvolvimento de um produto onde prazo e custo são dimensões elásticas. Assim, a necessidade de metrificar o esforço acaba impondo um controle maior sobre as decisões técnicas gerando limites que devem ser controlados.
Para se ter um mínimo de visão sobre prazo e custo é necessário exercer governança sobre as especificações de negócio, sobre as decisões arquiteturais e ainda mais sobre a condução da construção iterativa dos elementos de software.
Equipes ágeis não são, a não ser pelo acaso, auto gerenciáveis e não chegarão ao objetivo de negócio dentro do prazo e do custo sem uma estrutura de governança de projeto.
Estamos na mesma página, André! 🙂 Ainda vejo nas minhas interações com clientes uma certa distorção em relação aos métodos ágeis. Coisas como “agile não tem escopo”, “não tem prazo”, e o conhecido “cheque em branco”. Vamos desenvolvendo e gastando porque precisamos entregar valor. Está tudo nos roadmaps de produto: quais funcionalidades vou entregar em cada épico, a estimativa de quanto vou gastar, e qual resultado essas funcionalidades vão entregar.
Parabéns Mangi, grande reflexão!
Desde antes dos anos 2000, eu e nosso amigo Ivar Berntz, trabalhando junto em “outra vida”, já tratávamos os nossos projetos e desafios com conceitos muito parecidos, sempre buscando maior produtividade com agilidade e conhecimento.
Lembro que um de nossos grandes desafios era encontrar as “travas” dos processos, Budget, Tomada de decisão, o processo em si, enfim…
Sinto que nossa evolução nas técnicas, e formatos de entregas mais simples e escaláveis foram realmente significativas, mas ainda percebo que nosso maior Gap está, na minha opinião, na nossa percepção em “enxergar” o ser humano, que somos e que temos ao nosso redor.
Muito feliz em ver um fórum aberto em português para nossa troca e aprendizagem.
ps.: já divulgado a minha rede
Obrigado, Carlos!
Excelente inciativa, querido Mangi!
E ainda mais, tratando de tema super atual: times ágeis sob governança adaptativa … e em português!
Obrigado, amigo!
Muito bom Mangi!!! Romantismo à parte e equiíbrio no modelo!
Sim! 🙂
Muito boa a reflexão, Mangi.
Eu não gosto muito do modelo de fórmulas prontas e definitivas, cada organização deve buscar seu modelo ideal e estar pronta para evoluí-lo com o tempo. Nem tudo precisa de um squad ou rodar com Scrum.
Na sua essência o pensamento ágil fomenta este tipo de análise e aprendizado que levam à constante evolução. O grande desafio a meu ver é criar um ambiente onde haja transparência e confiança para discutir estes temas olhando para frente e ter a humildade de ajustar a rota.
Somos dois, Elton. Esse exagero de instrumentalização, a falta de uma reflexão crítica sobre as “fórmulas”, levam muitas empresas a fracassarem e, em alguns casos, a gastarem um bom dinheiro sem o sucesso prometido. As empresas, como os indivíduos que as compõem, são diferentes. Portanto, nem tudo que funciona lá, funcionará aqui da mesma forma, com os mesmos resultados. Melhores práticas, sim, bem-vindas, mas com a crítica e adaptações necessárias.
Reflexão extremamente lúcida Mangi. Parabéns pelo artigo e o mesmo ter sido escrito em Português!
De fato achar o equilibrio é o grande X da questão. Organizações estabelecidas necessitam de estabilidade e resiliência, pois fazem parte de um ecossistema de confiança e manutenção da economia e modelos radicalmente ágeis tendem a ser um desafio para a disponibilidade.
Temos também a questão orçamentária e de senioridade como desafios, já comentados aqui por alguns colegas.
Por outro lado, com o amadurecimento de algumas tecnologias como AI, Machine Learning entre outras, os modelos ágeis mais radicais podem ganhar força e escala, o que hoje ainda não é totalmente possivel em grandes organizações, mas isso só o futuro dirá.
Um abraço.
Obrigado! Existe uma discussão interessante (ainda incipiente) sobre como a AI poderia ajudar na “economia de intelectos” dentro do mundo ágil. Como usar essas tecnologias para “escalar” conhecimento. De forma bem sucinta (e apressada… rs), como criar um agile coach como “algoritmo”. Muita viagem, né? 🙂 Vamos ver no que isso vai dar… Abraços!
O debate está muito interessante. Ressalto as considerações sobre equilíbrio, que são fruto de uma reflexão de gestão – o que, aliás, deve se aplicar a todos os assuntos.
Quero ressaltar uma outra observação, que percebo frequentemente entre os clientes, e que também reflete falta de gestão.
Muitas vezes os clientes querem um modelo que eles possam seguir, sem um julgamento crítico sobre a adequação do modelo às circusntâncias específicas da organização (primeira falha de gestão). O modelo é implantado sob a crença de que vai funcionar – e ele deixa de ser monitorado para avaliar a sua eficácia (segunda falha de gestão).
Toda adoção inovadora precisa respoder inicialmente pelo menos 4 perguntas:
– Funciona na nossa indústria e na nossa organização?
– Está alinhada com nossa cultura e nível de maturidade?
– É capaz de trazer o valor esperado no nosso contexto atual?
– Exige alguma adaptação para nossa realidade?
A partir daí podemos fazer uma adoção inteligente, monitorar seu desenvolvimento e – aí sim – colher resultados
Perfeito, amigo! Vivemos mesmo na era das “receitas prontas”. Existe manual para tudo… rs. Melhores práticas, sim. Receitas prontas, não. As melhores práticas aceleram o caminho para o resultado. A receita pronta, para o fracasso.
Parabéns!
Concordo em gênero, número e grau.
Agilidade não é sinônimo nem de pressa e nem de anarquia. Logo, governança (definição de papéis e responsabilidades), liderança (direcionamento) e processos (o que fazer e quando fazer) não deixaram de existir.
Excelente post, Mangi!
Obrigado, Alexandre!
Você me fez lembrar de uma frase que escrevi num email faz mais de 10 anos. Foi numa dessas rusgas corporativas que a gente passa de vez em quando. Faz parte 🙂
“Velocidade sem fundamento não é eficiência, é precipitação”
Dá para subsituir eficiência por eficácia também, sem qualquer prejuízo à mensagem.
Abs!